A dignidade começa pelo corpo que sangra
Menstruar é parte da existência feminina, e negar cuidado a esse ciclo é negar também o reconhecimento da mulher como sujeito pleno. Quando o Estado distribui absorventes gratuitamente, não entrega apenas um item de higiene: reconhece a necessidade básica de quem historicamente foi silenciada ou invisibilizada. Do ponto de vista psicanalítico, o corpo é atravessado pela linguagem, pelo desejo, mas também pela vergonha quando falta cuidado. A pobreza menstrual impõe a jovens e mulheres uma experiência marcada por humilhação, constrangimento e exclusão, afetando diretamente sua autoestima e suas possibilidades de simbolizar o próprio corpo de maneira digna.
O que é o Programa?
O Governo Federal lançou, em 2024, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual, que garante absorventes gratuitos a pessoas que menstruam, por meio do Farmácia Popular, em parceria com o SUS. Segundo o Ministério da Saúde, o programa abrange mais de 24 milhões de brasileiras em situação de vulnerabilidade. A medida busca enfrentar a pobreza menstrual, que afeta especialmente estudantes, mulheres em situação de rua e pessoas de baixa renda. Estudo da UNICEF revelou que 1 em cada 4 meninas no Brasil já faltou à escola por não ter acesso a absorventes.
Quem tem direito?
Têm acesso ao benefício:
- Mulheres e pessoas que menstruam, de 10 a 49 anos;
- Inscritas no Cadastro Único (CadÚnico);
- Com renda per capita de até R$ 218,00;
- Estudantes da rede pública com renda de até meio salário mínimo;
- Pessoas em situação de rua.
Como retirar os absorventes?
A retirada é feita nas farmácias credenciadas ao programa Farmácia Popular, mediante apresentação de:
- Documento com CPF;
- Autorização gerada pelo aplicativo ou site Meu SUS Digital;
- Menores de 16 anos devem estar acompanhadas por responsável.
Cada pessoa tem direito a 40 absorventes a cada 56 dias (dois ciclos menstruais).
Por que isso importa?
A mulher que menstrua sem ter com o que se cuidar vivencia um abandono simbólico. Em termos psíquicos, essa ausência de suporte é registrada como uma mensagem: “não há lugar para você aqui”. Esse tipo de falta ecoa nas dimensões mais profundas da constituição do sujeito. A distribuição gratuita de absorventes é um gesto reparador. Um gesto de cuidado. É também um ato político que reconhece a dor que não era dita, mas que deixava marcas: no corpo, na escola, na inserção social e na construção da própria feminilidade. A psicanálise nos ensina que o sujeito só pode se sustentar na linguagem e na vida quando é acolhido em sua existência singular. Quando o Estado garante a higiene menstrual, ele devolve à mulher um pedaço da dignidade arrancada pelo descaso.
Dignidade é política de saúde pública
Mais do que uma política assistencial, o programa é uma resposta civilizatória. Ele resgata o cuidado com corpos que sangram, não como algo que deve ser escondido, mas como uma marca da potência de ser mulher. Combater a pobreza menstrual é combater também o abandono institucional, a vergonha internalizada e a culpabilização do feminino pelo simples fato de existir em carne viva.
Distribuir absorventes gratuitamente é mais do que um ato administrativo. É um gesto de escuta, escuta do grito silencioso de milhares de mulheres e meninas que pedem reconhecimento, cuidado e dignidade. Em cada pacote de absorventes entregues, há um recado que reverbera no inconsciente coletivo: “seu corpo importa, sua dor importa, você importa.”
“A questão não é o que nos é permitido fazer, mas o que temos o direito de ser.”
— Simone de Beauvoir
