Uma leitura psicanalítica sobre dor, escuta e dignidade.
A fibromialgia é um sofrimento de difícil visibilidade, uma dor crônica persistente, fadiga intensa, distúrbios do sono e alterações cognitivas. Quando não há marcas externas, o silêncio impõe um isolamento ainda mais profundo, e essa dor acaba por ser negada ou minimizada.
Em julho de 2025, o Congresso Nacional aprovou e o presidente sancionou a Lei nº 15.176/2025, que passa a valer a partir de janeiro de 2026, após 180 dias da publicação. A nova norma equipara oficialmente pessoas com fibromialgia a pessoas com deficiência (PcD) em todo o Brasil. Essa mudança legal expande direitos como cotas em concursos públicos, isenção de IPI na compra de veículos, acesso ao BPC‑LOAS, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, desde que seja comprovada limitação funcional individual por avaliação multidisciplinar. Para conquistar esse reconhecimento, são exigidas avaliações caso a caso, envolvendo médicos, psicólogos e demais profissionais que analisem a limitação no desempenho de atividades e na participação social.
Um olhar psicanalítico sobre esse marco legal
Na clínica psicanalítica, a dor crônica muitas vezes se configura como linguagem: quando o sujeito não encontra palavras para nomear seu sofrimento, o corpo expressa aquilo que a palavra silencia. A fibromialgia, com sua natureza difusa e ambígua, torna-se uma manifestação corporal de um sofrimento psíquico que não foi escutado. O reconhecimento jurídico dado pela Lei nº 15.176/2025 não é apenas técnico: é uma resposta simbólica a esse grito inaudível. Alegar dor sem provas em exames exige uma escuta que vá além da objetividade médica, exige acolhimento da subjetividade real do sujeito. No entanto, a transformação legal não elimina os danos invisíveis que se acumulam: o preconceito, a descrença, o isolamento. A invisibilidade social muitas vezes fere mais do que a dor física. Ainda que equiparada a deficiência, permanece a necessidade de legitimar a dor e dar voz àqueles que convivem com ela diariamente.
Por que isso importa?
- Valorização do sofrimento invisível: a lei afirma que há sofrimento válido mesmo quando não há sinais clínicos evidentes.
- Direito ao acolhimento institucional: garante acesso a políticas públicas, amparo social e inclusão.
- Visibilidade simbólica: representa um avanço civilizatório no reconhecimento da dor como experiência humana legítima e digna.
A fibromialgia é mais do que um diagnóstico clínico: é um chamado à escuta profunda, à empatia e à responsabilidade coletiva. A equiparação a deficiência é um sinal de que o Estado reconhece a dor invisível, legitimando-a como experiência real e digna de direitos.
Nem toda dor é visível. Mas toda dor é real. E toda dor merece ser acolhida, no corpo, na palavra e no direito.
